Visão sistêmica na gestão rural ? O que é e para que serve?
A visão sistêmica auxilia no entendimento do funcionamento de um empreendimento rural. Geralmente, ao se deparar com problemas, aquele produtor que precisa tomar uma decisão acaba por reagir a uma situação em particular, um problema que surge e precisa ser solucionado. Porém, seria importante visualizar e entender todo o cenário e suas conexões ao invés de atuar sobre eventos individuais. O pensamento sistêmico, portanto, envolve mudanças na forma de ver como as coisas funcionam.
Muitos estudos já foram desenvolvidos, ao longo do tempo, buscando descrever os principais elementos de uma unidade de produção agrícola. Porém, com o processo de modernização da agricultura, conhecido como Revolução Verde (a partir da década de 1960), os estudos sobre estas unidades de produção passaram a ser mais segmentados, com o entendimento, na época, de que se poderia entender melhor seu funcionamento com o estudo isolado das diferentes áreas que compõem uma unidade de produção (Miguel, 2009). Neste contexto, o produtor acabou sendo considerado apenas um executor de tarefas produtivas, com pouca influência na gestão e condução da propriedade como um todo.
Posteriormente, foram constatadas as limitações destes estudos mais isolados das partes de uma unidade de produção, já que uma propriedade agropecuária é mais complexa pois desempenha, além da função de produção, outras atividades combinadas, como a comercialização, conservação do ambiente de produção, entre outros. Além destes aspectos, devemos considerar que as propriedades rurais não estão desvinculadas do ambiente externo e de sua relação com ele, e são influenciadas, em maior ou menor intensidade por este meio.
Ainda hoje, dentre os elos que compõem uma cadeia produtiva agroindustrial, a produção agropecuária, ou seja, a propriedade em si, é o elo menos profissionalizado em termos de gestão. O problema principal não está relacionado com as técnicas produtivas (o produtor, em sua maioria, é eficiente quanto se fala em produção, produtividade), mas sobretudo, na compreensão do funcionamento dos mercados, articulação com os segmentos pré e pós-porteira, novas formas de negociação e práticas de gestão, ou seja, a interação com este ambiente externo. Nesse sentido, resta ao produtor entender estas relações e adotar ações de reação e adaptação frente às condições externas impostas.
A partir do que foi apresentado, é possível perceber que uma unidade de produção (ou simplesmente a
propriedade rural) pode ser entendida como um sistema.
Mas o que é um sistema, segundo a teoria ou visão sistêmica, ou ainda, teoria ou visão dos sistemas?
Resumidamente, um sistema é um conjunto de partes que interagem entre si, organizado em função de um objetivo, e que se relaciona, também, com outros sistemas. Veja que uma unidade ou sistema de produção é um conjunto de partes (seus sistemas de produção/transformação, como cultivos e/ou criações, recursos ou fatores de produção, como terra, equipamentos, capital, conhecimento técnico..), influenciado pelos objetivos do produtor rural e de sua família (o sistema social) e em interação com outros sistemas externos ou meio externo (edafoclimático, econômico, político, tecnológico...).
Veja a figura abaixo (Miguel, 2009), que representa uma propriedade rural (unidade de produção) e seus sistemas de produção segundo a abordagem sistêmica:
Na unidade produtiva (chamamos de ambiente interno e está representada pelo círculo maior, que engloba também um círculo menor representando seus sistemas produtivos), existem fatores que influenciam o desempenho do propriedade, mas que o produtor rural tem maior possibilidade de controle. Assim, cabe a ele decidir, a partir das informações/conhecimentos disponíveis (leia o texto sobre a abordagem alternativa dos fatores de produção), como os recursos ou fatores de produção (insumos, capital, tecnologia e pessoas) serão utilizados para a produção. Decisões como o quê produzir, quanto produzir, como produzir, quando produzir e para quem produzir devem ser tomadas, considerando as restrições de disponibilidades destes fatores. A relação entre as decisões produtivas e os recursos disponíveis é que vai definir o custo de produção (Lourenzani, 2004). Além disto, as relações e objetivos familiares (organização, responsabilidades, comando), bem como a maneira como as atividades (processos ou operações) são realizadas, também influenciam todo o processo produtivo da propriedade.
Perceba que as setas representam a relação de troca (ou interação) da propriedade (o ambiente interno) com os fatores externos. Estes fatores, como o clima, relevo, políticas governamentais, tecnologia e mercado fogem ao controle do produtor, embora influenciem o desempenho da propriedade rural.
Lidar com essa complexidade de fatores, sejam internos e internos, exige um esforço maior de gestão. E uma das razões para a dificuldade em lidar com este contexto é a falta de uma visão sistêmica do empreendimento rural. Ou seja, o produtor deve tomar decisões, não somente sob o aspecto produtivo e econômico, mas também levando em consideração fatores estratégicos, tecnológicos, legais e comerciais.
Veja a figura a seguir, adaptada de Lourenzani (2004), que representa os principais subsistemas de uma unidade de produção (subsistemas produtivo, financeiro, recursos humanos e comercial) e suas interações.
Portanto, a condição básica para que o produtor (gestor) rural possa desempenhar bem a sua função de tomador de decisão é a compreensão e o entendimento do funcionamento do seu empreendimento. Além da identificação dos fatores (planejamento da produção, qualidade, custos, recursos financeiros, marketing, comercialização e recursos humanos, entre outros) que impactam o seu negócio, é necessário visualizar a interdependência desses fatores, isto é, como eles se relacionam entre si e com o ambiente do negócio.
MIGUEL, L. Abordagem sistêmica da unidade de produção agrícola. In: WAGNER, S. A. et al. (Org.). Gestão e planejamento de unidades de produção agrícola. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2009. p. 11-17.
LOURENZANI, W.L,; SOUZA FILHO, H.M.; BANKUTI, F.I. Gestão da empresa rural: uma abordagem sistêmica. IN: Congresso Internacional de Economia e Gestão de Negócios Agroalimentares, 4. 2004, Ribeirão Preto.